A virada do ano sempre traz para todos nós a esperança de que as coisas melhorem. Esta passagem de 2010 para 2011 teve uma dose maior de expectativas devido as mudanças de governo federal e dos estados, ainda que, em sua maioria, os cenários políticos permaneçam os mesmos.
Em Cuiabá terminamos 2010 com mais um registro trágico de ineficiência de nosso sistema de saúde, com a morte de 5 recém-nascidos em 15 dias na UTI neonatal do Pronto-Socorro de nossa cidade. Inúmeros veículos de comunicação registraram o fato e um deles, em editorial abordando essa longa crise que atinge o setor saúde em Mato Grosso, questionou; “o que falta para resolver este problema crônico?”. Trata-se de uma pergunta cuja resposta aparenta ser fácil na teoria, mas que na hora de se por em prática as medidas necessárias à correção dos vícios existentes, as soluções pretendidas tem desafiado sucessivos gestores, não só do município mas também das esferas estadual e federal , independente de seu matiz ideológico ou partidário.
O Sistema Único de Saúde é baseado em princípios que fundamentalmente significam respeito à pessoa humana e representa um enorme avanço que toda a sociedade deve defender. Assim, no SUS todos incondicionalmente e não apenas alguns, têm direito a serem beneficiados por ações de promoção, prevenção e assistência, devendo ser atendidos em todas suas necessidades, variando desde uma simples orientação em uma unidade básica até um procedimento de alta complexidade e elevado custo em um hospital especializado.
No entanto, o que se assiste de há muito é uma permanente e grave crise focada notadamente na assistência médica , em especial de média e alta complexidade, pois é onde o impacto das carências é mais diretamente sentido pelo cidadão , materializadas nas longas esperas para conseguir consultas e exames especializados e de vagas para internações , especialmente para cirurgias. São as famosas “ filas da morte”, com por vezes são chamadas. Tais “filas” surgem do descompasso entre, de um lado, o constante e progressivo aumento da demanda por atendimento, motivado por vários fatores, tais como o crescimento da população, a ineficácia das políticas de promoção e prevenção e da atenção básica, o aumento da violência urbana, etc, e de outro lado a insuficiente oferta de serviços pelo SUS, que em nosso meio não dispõem de uma rede pública própria com dimensão, qualidade e capacidade de produção de serviços capazes de suprir as necessidades da população. As que existem são habitualmente acanhadas e desprovidas de equipamentos e de profissionais em quantidade adequadas , especialmente em determinadas especialidades .
Além disso, a produtividade dessas unidades é muito baixa, devido, entre outros fatores, aos salários ofertados aos seus profissionais , muito aquém do pretendido, especialmente pelos médicos especialistas. Dessa forma, eles não são atraídos para trabalhar no setor público, preferindo atuar no setor privado, onde tem maiores ganhos e não são submetidos a mecanismos de controle, mesmo aos atuais, sabidamente frágeis quanto a assiduidade, pontualidade e humanização no atendimento. Tentar controlar isso é “mexer em vespeiro” e recentemente foi causa de sérios confrontos em Cuiabá . Some-se a isso graves problemas gerenciais que fazem com que os custos da rede pública sejam habitualmente muito elevados, com o dinheiro esvaindo-se pelos conhecidos ralos de desperdício, corrupção, ineficiência e gestões politiqueiras amadoristas e pouco comprometidas com a supremacia do interesse público. Basta olhar o cenário dos Hospitais Regionais do Estado para entender o que se passa !!!
Não dispondo de rede própria, só resta ao SUS contratar serviços da rede privada, que é o modelo atualmente prevalente em nosso Estado, cujos resultados insatisfatórios são os que agora observamos . Essa relação entre SUS e prestadores privados sempre foi tormentosa, pois os valores de remuneração dos serviços prestados são historicamente apontados pelos empresários como insuficientes queixando-se eles ainda dos mecanismos de controle impostos pelo SUS (“excessivos”, no seu dizer ). Do lado dos gestores públicos, as queixas também são permanentes, acusando os hospitais contratados de praticarem seleção de pacientes (os casos mais graves são de difícil aceitação pelos hospitais pois tem maiores custos ) e da prática de diversas irregularidades especialmente nas cobranças . Enfim, de lado a lado as queixas se sucedem e se avolumam.
Tais problemas têm solução? Parece-me que sim, mas tem um custo elevado financeira e politicamente.
Assim, é necessário construir um plano de adequação (inclusive expansão) da rede publica para torná-la capaz de suportar a demanda e organizá-la regionalmente, para evitar-se a concentração de pacientes em Cuiabá. A capital tem o dever de além de atender sua própria demanda, servir de referencia estadual e macrorregional para os casos de alta complexidade, pois a interiorização de profissionais de muitas especialidades ainda é incipiente em nosso Estado. Para tal, Cuiabá necessita suporte financeiro dos cofres do Estado e da União, ambos devedores de tal obrigação há muito tempo. Afinal, o “esqueleto” do Hospital Central do Estado assombra a região do CPA há 35 anos pelo menos !!! Recentemente o governo do Estado decidiu concluí-lo, mas como prédio administrativo para o conforto da burocracia, enquanto o povo fica empilhado nos Pronto - Socorros de Cuiabá e Várzea Grande. Quando entrará em funcionamento o Hospital Metropolitano de Várzea Grande? Espera-se que não tenha o mesmo fim do Hospital Central !!!! Onde está também o prometido Hospital da Criança, jurado de pés juntos por tantos políticos quando candidatos, mas rapidamente esquecido pelos eleitos, após os primeiros estudos sobre as despesas de seu custeio? Onde foram parar as promessas de fazer funcionar uma unidade de alta complexidade com a aquisição de hospitais particulares fechados em nossa cidade ? E quando a dengue explodir, o que infelizmente parece inevitável dado a insuficiências das atividades de prevenção, vai-se improvisar novamente “leitos para dengue” em estruturas adaptadas às pressas?
Outro ponto fundamental é a questão de recursos humanos, com a construção de carreiras de estado para profissionais da saúde e a criação de um novo quadro de servidores , remunerando-os condignamente, estipulando metas de produtividade quantitativa e qualitativa, garantindo-se ascensão, progressão e educação continuada mas em contrapartida controlando-se eficazmente assiduidade, pontualidade, cumprimento de jornada, humanização no atendimento, enfim comprometimento com o serviço público.
A contratação de serviços privados deverá ter caráter complementar como já preconiza o SUS e ser refeita em novas bases contratuais, ajustando-se os patamares de remuneração mas estabelecendo-se um rígido controle dos procedimentos a serem realizados, incluindo o absoluto controle dos leitos pela Regulação. Esse controle hoje é quase nenhum e os pacientes são internados de acordo com a aceitação (ou não) por parte do hospital contratado. As listas de espera devem ser publicizadas e controladas pelos gestores, usuários, Conselhos Estadual e Municipais de Saúde, Ministério Público , Defensoria e outros órgãos controladores.
Obviamente, mudanças desse porte, como já dissemos, terão alto custo financeiro e político. No entanto, se nunca antes na história desse País se gastou tanto com o social, como se alardeia aos quatro cantos, chegou a hora da saúde ter recursos necessários. O desafio é dobrar – repito DOBRAR – os recursos federal e do estado destinado para a saúde!!!! Pois não vamos gastar bilhões em obras para a Copa do Mundo? Ou o futebol é mais importante que a saúde do nosso povo???? O que se gastou demolindo o Verdão e vai se gastar para construir a Arena Pantanal e adequações da “mobilidade urbana”, dava e sobrava para fazer as obras necessárias para revolucionar-se a saúde em Cuiabá e Mato Grosso.
Quanto ao ônus político de mudar os atuais paradigmas de trabalho na saúde, pode constituir-se em desgaste junto a alguns setores e corporações, mas poderá reverter o atual cenário caótico e beneficiar toda a nossa sociedade. O seu executor tornar-se-á um benfeitor do nosso povo e certamente não será esquecido por ele. Porém, haverá coragem e disposição para isso?