quinta-feira, 2 de junho de 2011

Efeito OSS atinge rede de hospitais - 2

Publicado no jornal A Gazeta

Júlio Müller Neto

Vimos em artigo anterior que o SUS está subfinanciado e que as OSS propostas como solução mágica não fazem milagres e podem gerar mais despesas que resultados. Até mesmo porque não resolvem os problemas reais que afligem a assistência médico-hospitalar pública de nossa população e aumentarão a precariedade dos vínculos empregatícios dos trabalhadores e profissionais de saúde pública, gerando mais instabilidade no sistema. A solução de aumentar o valor da tabela do SUS em até 300% é outro tiro no pé: ou se faz para toda a rede hospitalar contratada, e aí os custos com internação se tornam impagáveis, ou o sistema fica ingovernável. É por essa razão que no SUS a definição dos valores da tabela é realizada pelo gestor federal, pelo Ministério da Saúde. E é também pela mesma razão que não se aumenta o valor da tabela do SUS em Cuiabá sem aumentar em Várzea Grande e nos demais municípios. A título de exemplo: há alguns anos, quando o município de Cuiabá aumentou o valor da tabela para o parto, diminuíram dramaticamente os nascimentos em Várzea Grande.

Pergunta-se: o que pensarão os dirigentes dos hospitais filantrópicos quando confirmarem a informação oficiosa de que a Secretaria Estadual de Saúde "assumiu" a gestão do Hospital São João Batista, de Diamantino, em dezembro próximo passado, e estabeleceu um contrato de gestão com a Fundação São Camilo no valor de 380.000,00/mês, quando o faturamento mensal do hospital era em torno de 70.000,00/mês? Se o governo estadual tinha recursos financeiros disponíveis, por que permitiu o desabastecimento dos seus hospitais regionais e não transferiu recursos suficientes para os municípios tocarem seus hospitais e unidades de urgência como em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Barra do Garças e do Bugres, Alta Floresta e Água Boa, entre outros? E por que não aumentou os valores pagos aos hospitais contratados pelo SUS, a maioria deles parceiros de longa data do SUS? E se não tem os recursos financeiros suficientes para cobrir estas novas despesas, como honrará seus compromissos?

Retomando, quais seriam os problemas reais da rede hospitalar pública? Podemos relacionar alguns, além do subfinanciamento: faltam leitos hospitalares; política de saúde equivocada; inexistência de uma rede integrada de serviços; má gestão da coisa pública. Hoje trataremos apenas da falta de leitos públicos.

Há quase um consenso na sociedade mato-grossense que faltam leitos hospitalares na capital e em Várzea Grande. Leitos hospitalares públicos, bem entendido, e não leitos hospitalares privados que não atendam aos usuários do SUS. Cuiabá é a única capital brasileira que não tem um hospital de clínicas público e estadual. Aqui mesmo na região temos o Hospital Rosa Pedrossian, em Campo Grande, e o HUGO, em Goiânia, entre outros estabelecimentos. O governo estadual não cumpre o dever de casa mais elementar que é garantir o atendimento da população vinda do interior em busca de assistência especializada hospitalar, com serviços próprios e de qualidade. É necessário retomar os investimentos para a construção de novas unidades hospitalares. Está à vista de todos o esqueleto do Hospital Central a assinalar a falta de compromisso da gestão estadual com a saúde pública. O projeto de construção do Hospital da Criança, ao lado do Hospital Central, foi engavetado nos últimos nove anos. O Hospital Metropolitano em Várzea Grande, que seria o hospital da Baixada Cuiabana, não mais faz jus ao nome, reduzido a menos da metade dos leitos planejados (200 leitos) e transformado em hospital de baixa resolubilidade, adequado a municípios de pequeno porte. Os hospitais privados adquiridos pela Secretaria de Saúde do Estado para resolver os problemas (de quem?) nunca mais funcionaram como hospitais ou até mesmo como serviços ambulatoriais mais especializados. A construção de duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) não resolve o problema da carência de leitos na capital que já possui cinco policlínicas com a mesma finalidade.

E as novas instalações do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM)? No passo em que andam as providências talvez fique pronto para a Copa do Mundo, mas a de 2064. Desde 2007 existe uma emenda da bancada parlamentar de MT e, passados quatro anos, não se fez a licitação da obra e não há previsão de quando se fará. Parece que a obra não é prioridade do Ministério da Educação, que ainda não transferiu os recursos financeiros para a UFMT. A questão é mais grave quando se sabe que um dos pontos principais que pesou a favor de Cuiabá, quando escolhida para uma das sedes da Copa do Mundo, foi o compromisso assumido de ter o novo hospital universitário pronto para o evento. A menos que a comunidade universitária e a sociedade mato-grossense se mobilizem a favor do hospital, já podemos antecipar um dos perdedores da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá: a saúde pública de Mato Grosso e o ensino das profissões de saúde.

Júlio Müller Neto é médico-sanitarista e professor do ISC/UFMT. E-mail: jmullerneto@gmail.com


Efeito OSS atinge rede de hospitais - 2

Publicado no jornal A Gazeta

Júlio Müller Neto

Vimos em artigo anterior que o SUS está subfinanciado e que as OSS propostas como solução mágica não fazem milagres e podem gerar mais despesas que resultados. Até mesmo porque não resolvem os problemas reais que afligem a assistência médico-hospitalar pública de nossa população e aumentarão a precariedade dos vínculos empregatícios dos trabalhadores e profissionais de saúde pública, gerando mais instabilidade no sistema. A solução de aumentar o valor da tabela do SUS em até 300% é outro tiro no pé: ou se faz para toda a rede hospitalar contratada, e aí os custos com internação se tornam impagáveis, ou o sistema fica ingovernável. É por essa razão que no SUS a definição dos valores da tabela é realizada pelo gestor federal, pelo Ministério da Saúde. E é também pela mesma razão que não se aumenta o valor da tabela do SUS em Cuiabá sem aumentar em Várzea Grande e nos demais municípios. A título de exemplo: há alguns anos, quando o município de Cuiabá aumentou o valor da tabela para o parto, diminuíram dramaticamente os nascimentos em Várzea Grande.

Pergunta-se: o que pensarão os dirigentes dos hospitais filantrópicos quando confirmarem a informação oficiosa de que a Secretaria Estadual de Saúde "assumiu" a gestão do Hospital São João Batista, de Diamantino, em dezembro próximo passado, e estabeleceu um contrato de gestão com a Fundação São Camilo no valor de 380.000,00/mês, quando o faturamento mensal do hospital era em torno de 70.000,00/mês? Se o governo estadual tinha recursos financeiros disponíveis, por que permitiu o desabastecimento dos seus hospitais regionais e não transferiu recursos suficientes para os municípios tocarem seus hospitais e unidades de urgência como em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Barra do Garças e do Bugres, Alta Floresta e Água Boa, entre outros? E por que não aumentou os valores pagos aos hospitais contratados pelo SUS, a maioria deles parceiros de longa data do SUS? E se não tem os recursos financeiros suficientes para cobrir estas novas despesas, como honrará seus compromissos?

Retomando, quais seriam os problemas reais da rede hospitalar pública? Podemos relacionar alguns, além do subfinanciamento: faltam leitos hospitalares; política de saúde equivocada; inexistência de uma rede integrada de serviços; má gestão da coisa pública. Hoje trataremos apenas da falta de leitos públicos.

Há quase um consenso na sociedade mato-grossense que faltam leitos hospitalares na capital e em Várzea Grande. Leitos hospitalares públicos, bem entendido, e não leitos hospitalares privados que não atendam aos usuários do SUS. Cuiabá é a única capital brasileira que não tem um hospital de clínicas público e estadual. Aqui mesmo na região temos o Hospital Rosa Pedrossian, em Campo Grande, e o HUGO, em Goiânia, entre outros estabelecimentos. O governo estadual não cumpre o dever de casa mais elementar que é garantir o atendimento da população vinda do interior em busca de assistência especializada hospitalar, com serviços próprios e de qualidade. É necessário retomar os investimentos para a construção de novas unidades hospitalares. Está à vista de todos o esqueleto do Hospital Central a assinalar a falta de compromisso da gestão estadual com a saúde pública. O projeto de construção do Hospital da Criança, ao lado do Hospital Central, foi engavetado nos últimos nove anos. O Hospital Metropolitano em Várzea Grande, que seria o hospital da Baixada Cuiabana, não mais faz jus ao nome, reduzido a menos da metade dos leitos planejados (200 leitos) e transformado em hospital de baixa resolubilidade, adequado a municípios de pequeno porte. Os hospitais privados adquiridos pela Secretaria de Saúde do Estado para resolver os problemas (de quem?) nunca mais funcionaram como hospitais ou até mesmo como serviços ambulatoriais mais especializados. A construção de duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) não resolve o problema da carência de leitos na capital que já possui cinco policlínicas com a mesma finalidade.

E as novas instalações do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM)? No passo em que andam as providências talvez fique pronto para a Copa do Mundo, mas a de 2064. Desde 2007 existe uma emenda da bancada parlamentar de MT e, passados quatro anos, não se fez a licitação da obra e não há previsão de quando se fará. Parece que a obra não é prioridade do Ministério da Educação, que ainda não transferiu os recursos financeiros para a UFMT. A questão é mais grave quando se sabe que um dos pontos principais que pesou a favor de Cuiabá, quando escolhida para uma das sedes da Copa do Mundo, foi o compromisso assumido de ter o novo hospital universitário pronto para o evento. A menos que a comunidade universitária e a sociedade mato-grossense se mobilizem a favor do hospital, já podemos antecipar um dos perdedores da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá: a saúde pública de Mato Grosso e o ensino das profissões de saúde.

Júlio Müller Neto é médico-sanitarista e professor do ISC/UFMT. E-mail: jmullerneto@gmail.com


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