CIRCUITO MATO GROSSO
Publicado em Quinta, 31 Maio 2012 14:30
Pesquisa revela que assistência hospitalar à criança e ao adolescente em Cuiabá é desprezível.
Pequenos pacientes ficam amontoados e confinados.
A morte - esta semana, em Mato Grosso - de uma criança com meningite por falta de leito público de UTI é apenas a ponta do fio de pólvora de uma dinamite que já vem explodindo com reflexos incalculáveis em todo o Estado. Em Cuiabá, relatório produzido pelo Comitê de Defesa da Criança Hospitalizada, a partir de levantamento realizado em todos os hospitais da cidade que possuem leitos públicos, revela o descaso da gestão municipal com a saúde da criança e do adolescente.
Faltam leitos de enfermaria e de UTI e, onde o serviço é disponibilizado, a precariedade é revoltante. No interior, a situação também é dramática. Crianças nascem na estrada, dentro de veículos que levam mães de uma cidade para outra em busca de hospital para o serviço de parto. Esse quadro de violação de direitos é taxado de “violência” pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) apontam que o SUS do município de Cuiabá conta atualmente com apenas 293 leitos pediátricos e neonatais. Além de manter um número irrisório de leitos, a Prefeitura simplesmente fechou um pequeno “hospital da criança”, criado na gestão do então secretário de saúde Luiz Soares dentro do Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC), e que até o final de 2011 era a principal referência em atendimento de urgência à criança de Mato Grosso. A estrutura possuía Pronto Atendimento com 20 leitos, enfermaria com cerca de trinta leitos, isolamento infantil, além de 20 leitos de UTI, entre pediátrica e neonatal, brinquedoteca e área de lazer para minimizar o sofrimento e facilitar a recuperação dos pequenos pacientes.
Hoje as crianças estão confinadas em uma enfermaria denominada Ala Verde, onde há apenas 15 leitos. Lá, as crianças ficam amontoadas e não há sequer espaço para acompanhante. Na Sala Amarela, meia dúzia de leitos funciona com semi-UTI e cuja porta é de frente para um corredor lotado de pacientes adultos e fluxo intenso de acompanhantes.
O fechamento de toda ala pediátrica ocorreu entre os meses de março e abril de 2011. Segundo o relatório do Comitê de Defesa da Criança Hospitalizada, a partir daí a contínua demanda produzida a partir do pronto atendimento infantil do Pronto Socorro de Cuiabá foi praticamente represada, tanto na Sala Verde quanto na Amarela, que passou a funcionar como uma UTI adaptada para crianças com doenças graves e recém-nascidos de risco.
“A Sala Verde Infantil, que deveria apenas ser local de cuidados imediatos, observação e triagem com transferência de poucos dias, passou a se constituir num ambiente de internação de casos diversos, algumas por tempo prolongado, chegando até quarenta dias”, observa a presidente do comitê, a enfermeira doutora Rosa Lúcia Rocha Ribeiro, e isso incluiria crianças com problemas neurológicos, pneumonias complicadas, anemia falciforme, traumas, ortopedia, câncer e inclusive com HIV e outras doenças infectocontagiosas. Por vezes várias estariam recebendo medicação em cadeiras de fio devido à falta de leitos.
De outro lado, a Sala Amarela, que deveria ser um local para atendimento de urgência e emergência, tem se mantido lotada com as crianças mais graves, algumas em respirador mecânico, que permanecem ali por vários dias.
“É importante destacar que esses ambientes mencionados – Sala Verde e Amarela – não são preparados para essa demando porque não possuem condições adequadas para a permanência de acompanhantes. Não há qualquer área aberta, não há brinquedoteca nem recreadora ou pedagoga para o acompanhamento do currículo escolar”, denuncia o relatório.
Juíza pede providências - A juíza da Primeira Vara Especializada da Infância e Juventude da Comarca de Cuiabá, Gleide Bispo dos Santos, visitou a ala pediátrica do Pronto-Socorro de Cuiabá acompanhada por representantes do Conselho Regional de Medicina (CRM), Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Mato Grosso (Crea), Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de Mato Grosso (Crefito), Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren), e do Corpo de Bombeiros. Um relatório será elaborado e entregue à Secretaria de Saúde de Cuiabá para que adotem providências no sentido de adequar espaços dignos de assistência hospitalar a crianças e adolescentes. “Estou fazendo um levantamento sobre a estrutura geral de atendimento a crianças e adolescentes”, informa a juíza.
De camas enferrujadas, à falta de profissionais
A precariedade da assistência hospitalar à criança vai além do Pronto Socorro para chegar aos hospitais da rede contratado do SUS, privados e filantrópicos. Informações apuradas pelo Comitê de Defesa da Criança Hospitalizada dão conta de que a Santa Casa, embora com grande disponibilidade de leitos, enfrenta problemas de falta de plantonistas pediatras para receber internações clínicas na enfermaria, piorando a situação”, diz o relatório. A Ata nº 16/2011 do Conselho Municipal de Saúde revela que isto estaria ocorrendo porque os profissionais não estariam conseguindo conviver com o comportamento explosivo do presidente da entidade, o médico José Luis Sabóia.
A precariedade do atendimento hospitalar à criança se agrava quando surgem informações de que hospitais conveniados ao SUS, como a própria Santa Casa e o HGU, estariam se recusando a aceitar crianças e adolescentes com casos mais complexos e onerosos.
Relatos de enfermeiras das salas Verde e Amarela infantis do Pronto Socorro, ao Comitê de Defesa da Criança Hospitalizada, também relevam que o Hospital Universitário Júlio Müller, em seu perfil de hospital escola, de atendimento de crianças crônicas, frequentemente se recusa a receber crianças com doenças infectocontagiosas pelo risco de transmissão de infecção às demais.
Nenhum dos hospitais pesquisados possui condições adequadas para acomodação dos acompanhantes, apenas o Hospital do Câncer e Santa Casa possuem pedagoga outros três possuem recreadora. Em todos os hospitais houve uma grande prevalência de respostas que apontam o desconhecimento por parte do usuário da presença de assistentes sociais, fisioterapeutas e psicólogos.
O Hospital Geral Universitário e o Santa Helena tiveram sua infraestrutura avaliada negativamente. Este último inclusive fechou a enfermaria pediátrica depois que ficou constatado que não havia bebedouros, quartos pequenos para muitas crianças, banheiros em péssimo estado, camas e berços enferrujados e colchões velhos..
-
Letícia morreu por falta de UTI
Letícia Guimarães, 4 anos, morreu horas depois de apresentar os primeiros sintomas da meningite. O pai, Wagner Barbosa de Oliveira, conta que levou a filha pela primeira vez ao Pronto Socorro de Várzea Grande, na madrugada da última sexta-feira (25). Ao chegar à unidade, disse que o médico Jean Carlos da Silva solicitou exame de hemograma, viu o resultado, aplicou uma medicação, receitou dipirona e liberou a família para voltar para casa.
O pai diz que o estado da menina foi piorando, então a família buscou novo atendimento na Policlínica do 24 de Dezembro. Ao chegar ao local, foram informados que não havia médico. Desesperados voltaram ao Pronto Socorro, mas como estava lotado, pagaram uma consulta particular no Hospital Santa Rita. “Fomos atendidos pelo doutor Gleison que imediatamente vendo o estado da nossa filha, solicitou novo exame de hemograma. Horas depois foi constatado que as plaquetas estavam muito baixas e internação imediata foi solicitada”.
A mãe Juliana Almeida disse que suspeita de meningite surgiu após o aparecimento de manchas vermelhas no corpo da filha. “Assim que o médico percebeu as manchas no corpo determinou a transferência imediata da menina, para outro hospital, pois a unidade não contava com Unidade de Terapia Intensiva (UTI)”.
Ao chegar ao Pronto-Socorro a criança ficou em um quarto isolado e a transferência para a UTI só ocorreu após determinação judicial. Porém, sem vagas em Várzea Grande e Cuiabá, a menina foi encaminhada para Cáceres (220 km a oeste de Cuiabá). “Minha única filha morreu horas depois de chegar ao local. Ela foi induzida ao coma e sofreu três paradas cardíacas”, finaliza Oliveira. (Por Regina Botelho)
Prefeitura não reabre UTI do PS de Cuiabá
As UTIs Neonatal e Pediátrica do Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC) fechadas há um ano até hoje não voltaram a funcionar. Os equipamentos foram cedidos para o Hospital Geral Universitário (HGU) que pertence à UNIC, maior faculdade particular de Mato Grosso. Inclusive os profissionais do Pronto Socorro – servidores públicos - foram obrigados a trabalhar no HGU, apesar de ilegal. A transferência dos equipamentos teve o aval do Conselho Municipal de Saúde, apesar da posição contrária de vários conselheiros. “Aprovamos com a condição de que, dentro de um ano, as UTIs fossem reativadas no Pronto Socorro de Cuiabá”, justifica a conselheira Maria Ângela Martins.
O repasse dos equipamentos para o HGU ocorreu em maio do ano passado sem que o empréstimo fosse documentado. Depois de muita pressão por parte do Conselho, o secretário municipal de Saúde, Lamartine Godoy Neto, assinou a Resolução nº 28, de 08 de novembro de 2011 – seis meses depois -, estabelecendo a cessão dos equipamentos a título de empréstimo e que deveriam ser devolvidos no prazo de 12 meses – lembrando que o repasse foi feito em abril e não em novembro, data do documento. Portanto, termina esta semana o prazo para que o HGU devolva o material.
O secretário adjunto de Saúde, Huark Douglas Correa, diz que não justifica manter uma UTI Neonatal no Pronto Socorro porque lá não há maternidade e prometeu, diante dos conselheiros, reativar a pediátrica, o que ainda não ocorreu