quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

QUE TAL FECHAR AS ESCOLAS RUINS?

O  MSD deseja socializar com todos o artigo de opinião abaixo:

Revista Veja 2253
Por Gustavo Ioschpe

No apagar das luzes da gestão Haddad, o Mi­nistério da Educação decidiu cortar 50000 vagas de cursos universitários de "baixa qualidade", que não tinham atingido a nora mínima no mecanismo de avaliação do ministério. Mais de 30000 das vagas cortadas são da área de saúde. A lógica dos cortes é elevar a qualidade do sistema universitário, fazendo com que as melho­res instituições possam crescer adicionando as va­gas subtraídas das más instituições e a população seja protegida de profissionais despreparados.

A maioria das pessoas parece concordar com a medida, e até jornais liberais a apoiaram em edito­rial. Se você concorda com ela, gostaria de ir um passo adiante e recomendar que também sejam cortadas todas as vagas de escolas de educação básica de má qualidade. Se a lógica vale para o sistema de ensino superior, por que não haveria de valer para a educação básica, que é certamente ainda mais importante para o país e açambarca um número consideravelmente mais alto de alunos (51 milhões, contra 6 milhões do ensino superior)?

A ideia de que é bom cortar vagas é uma mistu­ra de preguiça intelectual com realismo mágico. Porque as pessoas ouvem falar que uma enfermeira matou um paciente ao colocar vaselina em vez de soro na injeção e então, indignadas e pensando com o fígado, bufam: "Precisamos proteger a sociedade de profissionais como esses! Vamos atacar o pro­blema na fome, fechando as más escolas formado­ras!". O.k. Vamos presumir que o lGC seja um bom indicador para medir a qualidade dos cursos uni­versitários (não é) e também que o principal culpa­do pelo fato de a vaselina ter sido usada no lugar de soro seja a formação da enfermeira, e não a desor­ganização do hospital, o cansaço da enfermeira ou simplesmente a falibilidade humana. Então cortamos a vaga, e evitamos que os "maus profissionais" se tornem enfermeiros, médicos ou contadores ­sim, o MEC cortou vagas dos cursos de contabili­dade. já que todos nós sabemos que um contador incompetente pode tirar milhares de vidas (?). Multiplique isso por 1 000 ou 50000. O que acontece? Digamos que cada "mau profissional" atenda dez clientes por dia. Então serão 500000 clientes desatendidos por dia. Não com um mau atendi­mento com um atendi­mento um pouco abaixo do ideal: zero. Em vez de terem maus contadores, médicos ou enfermeiros, as pessoas não terão ne­nhum. O que acontece quando são subtraídos de um mercado profissionais para os quais há demanda? Se há uma economia de mercado, em que os preços se reajustam livremen­te, o preço cobrado pelos profissionais que ficam no mercado sobe. Para os ricos, isso não fará muita di­ferença. Mas para os pobres o aumento de preço pode ser a diferença entre ter condições de ser aten­dido e não ter. Se os preços forem controlados, co­mo no sistema público, por exemplo, as enfermei­ras e os médicos que ficarem não poderão cobrar mais, mas terão de atender mais pacientes. Como o tempo de trabalho é finito e a oferta de gente quali­ficada é menor do que a demanda por seus serviços, isso significa que os pacientes demorarão mais para ser atendidos, ou morrerão antes do atendimento. É fácil ficar indignado com vaselina na seringa, por­que vira noticia. Mais difícil é lamentar os milhares de casos anônimos de gente que morre em casa por não ter atendimento médico ou por ser atendida por um ótimo médico estafado por ter de dar conta de uma demanda sobre-humana. Esses casos permane­cem no limbo. Assim como o dos milhares de pre­sos pobres e inocentes que não podem pagar um advogado e em locais onde não há defensores pú­blicos que cheguem.

As pessoas me perguntam:
"Mas você gostaria de fazer uma ponte de safe­na com um médico formado por uma dessas uni­versidades caça-níqueis que ficam em cima de uma padaria?". É claro que não. Nem eu nem ninguém. Num mundo ideal, só gostaria de ser operado pelo melhor médico do mundo naquela especialidade. Mas no mundo real a maioria das pessoas não terá dinheiro para se operar como melhor do mundo, e, mesmo que tivesse, esse profissional não teria tempo para atender a to­dos. No mundo real, para grande parte das pes­soas, ou elas vão ser operadas pelo médico ruim ou não vão ser operadas por ninguém. Se eu es­tivesse num avião e sofresse um infarto, é claro que gostaria que o meu vizinho de poltrona fos­se um cardiologista renomado. Mas, se não ti­ver essa sorte, prefiro que o vizinho seja um médico de quinta categoria, ou até mesmo um aluno dessa universidade-padaria, a que seja al­guém que teve de virar carteiro porque, justo no ano em que iria prestar o vestibular para medi­cina na única faculdade em que conseguiria en­trar, veio um burocrata de Brasília e resolveu cortar aquela vaga.

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