segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Saúde Pública: Tragédias, lágrimas e muito silêncio

Circuito Mato Grosso traz matéria sobre os vários problemas existentes na saúde pública do Estado

Adriana Nascimento


Dor, desespero, superlotação e revolta. Essas são as coisas mais abundantes nos hospitais públicos de Mato Grosso. Até aí, nada de novidade, uma vez que todo mundo sabe que o setor da Saúde está em colapso há muito tempo. O problema é que este quadro se configurou em todo o ano de 2010, apesar de ter sido instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde pela Assembleia Legislativa - cujo relatório final tem previsão de ser concluído e divulgado até dia o próximo dia 15 – justamente para remediar esta situação. No entanto, pouco ou quase nada mudou no diagnóstico de caos anunciado dado no início dos trabalhos. Foi isto o que comprovou a diligência feita pela reportagem do Circuito Mato Grosso, na última sexta (03), ao percorrer as principais instituições de Saúde de Cuiabá e Várzea Grande.

No caminho solicitamos entrevista com o deputado e presidente da CPI, Sérgio Ricardo (PR), mas ele estava em São Paulo e o celular na caixa de mensagem, onde deixamos pedido de retorno e não obtivemos até o fechamento desta. Sem a presença do parlamentar em Mato Grosso pedimos a sua assessoria de imprensa que encaminhasse resposta a nossos questionamentos a respeito do que realmente mudou no setor com a investigação. Contudo, por ocasião da morte do irmão do deputado, ocorrida na mesma sexta, por conta de um acidente de carro, o assessor não encaminhou as respostas por ter que cuidar dos trâmites do enterro.

Saiba quais são as perguntas que não querem calar:

- Qual contribuição a CPI deu a sociedade?

- Quais os fatos mais graves descobertos pela CPI? Cite pelo menos três?

- O censo do IBGE apontou significativa redução nos leitos disponíveis em Mato Grosso e, no entanto, o Estado conta com duas unidades hospitalares novas sendo: uma em Várzea Grande e outra em Sinop. O que falta para colocá-los em funcionamento?

- Qual providência a CPI pretende tomar em relação a eles?

- Quais servidores e secretários foram convocados pela CPI?

- Houve algum tipo de punição, sanção ou advertência administrativa?

- A CPI já existe há mais de um ano. O que ela teve de resultado efetivo até agora?

- As farmácias de alto custo frequentemente apresentam falta de medicamentos, quais as sanções praticadas aos órgãos responsáveis por manter estoques disponíveis para o atendimento da população?

- O senhor não acha antiético presidir uma CPI ao mesmo tempo em que faz parte da base aliada do governo, cujo governador era seu companheiro de partido, Blairo Maggi e agora o do partido aliado, PMDB, Silval Barbosa?

- O atual governador liberou o PAS (Plano de Ações da Saúde - PAS) por causa da falta de leitos e o caos na rede pública de Saúde. Este programa teve apenas interesses eleitorais ou foi efetivamente cumprido?

- Quando o senhor vai liberar para a sociedade as conclusões desta CPI?

O Circuito Mato Grosso aguardou até o fechamento desta edição a resposta do deputado para que a sociedade pudesse saber se há esperança do setor melhorar a médio ou longo prazo. No entanto, nada foi respondido.

O que (não) diz Silval Barbosa

Em busca de respostas o Circuito Mato Grosso também questionou o governador Silval Barbosa (PMDB) que acompanha o problema na Saúde pública desde que era vice do ex-governador Blairo Maggi. Também a resposta foi o silêncio até o fechamento desta edição sem nem mesmo um pronunciamento da Secretaria de Comunicação do Estado sobre o assunto.

Diretor do Pronto Socorro de Cuiabá, Jair Gimenez

O diretor do Pronto Socorro de Cuiabá, Jair Durigon, não teve espaço na agenda para conversar com a reportagem a tempo do fechamento. As perguntas foram encaminhadas por e-mail, mas também não foram respondidas a tempo. A equipe tentou entrar no PS para verificar as condições encontradas hoje no local, após a reforma e com a transferência dos pacientes da chamada Ala Verde, considerada em condições críticas para atendimento dos pacientes. No entanto, o agendamento para que tudo fosse fotografado, não ocorreu. Questionada, a assessoria de imprensa do órgão encaminhou a nota abaixo:

“A administração do Hospital e Pronto Socorro de Cuiabá (HPSMC) informa que o acesso da Imprensa no local está sendo realizado mediante prévio agendamento. Na tentativa de preservar a integridade dos pacientes e evitar transtornos aos mesmos que se encontram em estado de saúde fragilizado foi determinado este procedimento. Ressaltando que todo e quaisquer veículo de comunicação possui livre acesso ao Hospital em qualquer circunstância, seja para entrevistas ou para visitas monitoradas (Para o registro de fotos e imagens). Porém, como bem público que zela pela vida dos pacientes informamos que o agendamento é uma medida tomada restritamente para facilitar e organizar o fluxo de entrada no HPSMC. Desde já agradecemos a compreensão de todos e nos colocamos a disposição outros esclarecimentos.”

Ex-secretário de Saúde do Estado, Gabriel Novis

O médico e ex-secretário de Estado de Saúde, por duas vezes, Gabriel Novis Neves, foi a única voz que falou a realidade dos bastidores de como é tratada a Saúde em Mato Grosso. Para ele, a CPI é um grande engodo. Nada será resolvido, em sua opinião, sem que os governantes levem a vida humana a sério. Para Neves a base de tudo é a Educação. Ele tem propriedade para falar do assunto uma vez que foi secretário de Saúde no governo de Júlio Campos por dois anos e por 23 dias no início do governo Blairo Maggi. O médico explica a rapidez com que saiu do cargo na segunda vez pelo fato de ter visto o descaso com que o setor era tratado. “Logo que assumi soube de falta de medicamentos na farmácia de alto custo. Fui atrás para saber o por quê daquilo ocorrer já que havia um planejamento para compra feito no ano anterior e simplesmente me deparei com a resposta de que o governador cortou gastos linearmente e não levou em conta o prejuízo que causaria em setores essenciais como a Educação e a Saúde”, revelou.

Indignado, ele acredita que a falta de Educação de qualidade é o que lota hospitais. “O governo deveria pensar de outro modo. Por exemplo, onde mais houvesse pobreza, ali é que deveria ter o maior investimento em Educação e Saúde para evitar conseqüências maiores de lotação nas unidades de Saúde”, apontou. Em resumo, é preciso, antes de tudo, prevenção e estrutura para conter o câncer de descaso que se instalou no setor.

Na farmácia de Alto Custo...

Enquanto os governantes discutem o problema, distantes da dor que sentem os mais necessitados, o que se vê é desespero pelas unidades de Saúde. Na Farmácia de Alto Custo, pacientes todos os dias entram com apreensão e saem com tristeza ao invés de remédio para seus males. Uma delas é dona Ivone, 70 anos, que saía na última semana do local sem o colírio para o glaucoma do marido e diz que, quando não pega na farmácia, tem que gastar um valor alto, que não é compatível com o salário mínimo que ganha de aposentadoria. Outra com problemas é Celeste, de 53 anos, que pega remédios junto com a filha para colesterol e sai, quase sempre, segundo ela, de mãos vazias porque quase nunca tem o medicamento no local. Para se ter uma idéia uma caixa deste medicamente custa R$ 150,00. Para ouvir o “não” ela ainda teve que esperar por duas horas na fila.

Neiva, de 59, que sofre de esquizofrenia, também não teve sorte. O remédio estava em falta e ela terá que esperar porque não tem como comprar o medicamento, que custa R$ 600,00. A reportagem tentou falar com a gerente da farmácia de alto custo, mas, apesar de ser 16h ela não estava mais lá.

Em Várzea Grande...

No PS de Várzea Grande o cenário de descontentamento tanto de pacientes quanto de funcionários não é diferente. Para se ter uma idéia, o corredor sem ventilador e sem janelas onde ficam “internados” pacientes com problemas sérios, é apelidado pelos funcionários de “Faixa de Gaza”, em referência ao território em guerra disputado por judeus e muçulmanos que já causou a morte de milhares de pessoas. Sem alternativa, e lotado por conta da mudança no atendimento no PS de Cuiabá, o local, que atende 40% de pacientes vindos do interior, está em muito mais do que seu limite. Tem lugar para 192 acomodações, mas atende em média 700 pessoas por dia. Diante do caos os funcionários organizaram um mutirão de limpeza e manutenção por conta própria, na última segunda (6). Já nesta quinta (9) os atendimentos médicos nos ambulatórios do Pronto Socorro, Policlínicas, Postos de Saúde e Programa Saúde da Família (PSF) de Várzea Grande serão interrompidos por 48 horas. O protesto é de parte dos médicos que se sentem prejudicados pelo descumprimento do acordo firmado entre o Poder Executivo e a categoria neste ano. A mobilização iniciou-se em decorrência do não cumprimento do acordo estabelecido entre a categoria e o secretário de Administração do município, Marcos da Silva, o qual previa o aumento do piso salarial dos médicos de R$ 1,3 mil para R$ 1,6 mil, já em setembro deste ano. Apesar do protesto, serão mantidos os atendimentos nos casos de urgência e emergência. Já as cirurgias eletivas serão paralisadas. Até tudo ser resolvido os médicos ficarão em assembleia permanente e, no próximo dia 13, decidirão se entram em greve por tempo indeterminado.

Pronto Socorro de Cuiabá...

Filas na porta e desespero geral de quem não sabe o que tem, apenas que tem dor e não sabe o que fazer nem para onde ir além de tentar ser atendido no local que deveria não negar atendimento ou encaminhá-los para um local adequado.

Hospital Santa Helena...

Neste local a reportagem foi no horário noturno. O atendimento parecia sem problemas. Até sabermos que emergência existe só para gestantes na parte noturna.O restante das pessoas deve aguardar o dia seguinte.

Adauto Botelho

Não tivemos acesso a área interna. No entanto, quando procuramos informações sobre o local soubemos que a diretora tinha ido caminhar e só voltaria no fim da tarde para pegar suas coisas e ir embora para casa. Atendimento médico também não havia, conforme informações de funcionários. Lá só há médico pela manhã e à noite. Portanto, ninguém deve ter surto à tarde.

A CPI

Algumas das informações divulgadas ao longo do ano pela assessoria da CPI da Saúde informa que, em 2010, foram realizadas visitas pelos membros e seus técnicos em: 12/03/2010 – Hospital Regional de Cáceres; 19/03/2010 – Hospital Regional de Rondonópolis; 26/03/2010 – Hospital Regional de Colíder, e, em 09/04/2010 – Hospital Regional de Sorriso. Como também, ao Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (17/06) e ao Pronto Socorro Municipal de Várzea Grande (01/07), para avaliar as condições de funcionamento. Os membros da CPI da Saúde participaram de três audiências sendo a primeira com o Ministro da Saúde José Gomes Temporão, durante a sua visita na Capital, a segunda com a Desembargadora Drª.Clarice Claudino, e a terceira com o Governador Silval Barbosa para a entrega das Recomendações da CPI da Saúde para execução urgente. Foi realizada ainda, uma reunião com os Secretários de Saúde de Estado e do Município de Cuiabá, Agostinho Moro e Maurélio Ribeiro para tratar das questões pertinentes à fila de espera por cirurgia no Estado de Mato Grosso, e uma reunião com o Secretário de Saúde do Estado Kamil Fares para a entrega da Demanda Reprimida.

Problemas encontrados

Durante as visitas nas unidades de saúde de Cuiabá e interior a CPI pode constatar inúmeros problemas, entre eles falta de médicos, medicamentos, equipamentos, leitos, UTIs e pessoal. O presidente da CPI, deputado estadual Sergio Ricardo (PR) disse, na época, que o excesso de burocracia resulta na demora de até três anos para a conclusão de numerosos processos de aquisição de equipamentos para os hospitais. “É preciso garantir a descentralização administrativa na gestão da nos Hospitais Regionais”.

PAS

Conforme a CPI, as ações em andamento no Plano de Ações da Saúde incluem medidas no atendimento de consultas especializadas de média e alta complexidade, conforme resolução assinada entre Cuiabá e o Estado e Cosems em março. São realizados consultas e exames como Broncoscopia, Retosigmoidoscopia, Eletroneuromigrafia Simples, RX Contrastado, Campimentria, Retinografia, Espirometria, Cintilografia Miocardio, Cateterismo, IAG Laser, Colonoscopia, Ultrassonografia, Cardiologia, Ortopedia, Otorrinolaringologia Cirúrgica e Oftalmologia. O investimento do Estado e Município de Cuiabá juntos é de pouco mais de R$ 1 milhão.

Na prevenção e tratamento de cânceres, o Governo do Estado firmou convênio com o Hospital de Barretos (SP) que cedeu a Unidade Móvel do Hospital de Barretos para o atendimento preventivo ao Câncer de Mama, Próstata e Pele. Exames de Papanicolau, Próstata (físico e sangue). A ação prevê também procedimentos cirúrgicos no caso de pele.

O Hospital Metropolitano do Cristo Rei em funcionamento será referência para cirurgias eletivas de Média e Alta Complexidade na área de Geral e Ortopedia. Há ainda aço em Andamento no atendimento ao Alto Custo na revisão e confecção do novo Protocolo Clínico de Mato Grosso para Cessão de Medicamentos Excepcionais e/ou Alto Custo.

Planos

Por entender a necessidade de mais investimentos para o setor da saúde, o Governo do Estado acatou a recomendação do presidente da CPI da Saúde da Assembléia Legislativa, deputado Sérgio Ricardo (PR), e incluiu o Imposto de Renda na base de cálculo dos 12% relativos ao orçamento da saúde previsto para o exercício de 2011. O Secretário de Estado de Saúde, Augusto Amaral anunciou a medida durante a primeira Audiência Pública realizada ontem (10), na Assembléia Legislativa para discutir a Lei Orçamentária Anual (LOA/2011). Amaral avaliou como um avanço positivo a inclusão do imposto que irá refletir em mais benefícios a população. “O imposto de renda vai acrescer nosso orçamento para 2011 em torno de R$ 38 milhões. Isso não resolve o problema já que a demanda aumenta a cada dia, porém, vamos continuar trabalhando para melhorar a oferta dos serviços de saúde pública para nossa sociedade”, afirmou.


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