terça-feira, 24 de maio de 2011

A janela e o incêndio

Artigo publicado na edição de hoje do jornal A Gazeta

Nei Moreira



Um pavoroso incêndio grassava num escritório, labaredas gigantescas consumiam tudo e 17 funcionários presos no seu interior aguardavam a morte apavorados, pois não viam possibilidades de escapar até que uma voz se fez ouvir: "Todos saiam pela janela da direita". Imediatamente correram para lá em meio à fumaça e saltaram, imaginando que se livrariam da morte graças a esse misterioso benfeitor que lhes mostrava o caminho da salvação. Morreram todos os 17, pois o escritório ficava no 23º andar de um prédio.

Assim é que na atual situação da nossa saúde pública precisamos ficar atentos para não sairmos da tragédia do atual incêndio iludidos por uma falsa esperança de salvação e acabarmos mergulhando em um precipício.

O que atualmente vemos em nosso Estado é a total inoperância da assistência na saúde pública, consequência de anos de desestruturação de um sistema que se não era nenhuma maravilha, jamais chegou a esse ponto de total degradação e desrespeito aos seus usuários e aos seus profissionais. Sucessivas gestões ruinosas, amadoristas, voltadas unicamente a atender os interesses dos políticos do governo, promovendo o aparelhamento do estado, com os cargos de natureza técnica sendo rateados entre "lideranças" totalmente desqualificadas, loteando as secretarias para contemplar os aliados. O resultado dessa prática politiqueira gerou esse quadro atual: nada funciona e o dinheiro some nos ralos da incompetência e corrupção. Porém, isso não decorre, como se tenta fazer parecer, da gestão ser pública. Qualquer modalidade de gestão pode ser competente ou incompetente, depende dos princípios a serem por ela observados.


Porém, no caso da saúde, após décadas de debates, a sociedade brasileira definiu em sua Constituição que ela é um bem público a ser garantido a todos os cidadãos pelo Estado Brasileiro. Isto porque se a saúde for encarada pela ótica do lucro, essência do setor privado, jamais conseguiremos fazer com que ela seja universal, integral e equânime. Quando as ações de saúde são governadas pela ótica da lucratividade ocorre exatamente o que agora vemos, os prestadores privados se interessam apenas por aquelas atividades que proporcionam lucros vantajosos. Atividades que não são altamente lucrativas ficam de lado. Assim, o que necessitamos é que a saúde pública tenha uma gestão competente e honesta e não os exemplos atuais de incompetência e patifaria.


Precisamos ficar alerta para que a trágica situação atual da assistência à saúde em nosso Estado não seja a justificativa criada para a sua privatização entregando-a totalmente para essas suspeitíssimas "organizações sociais" . A tragédia atual deve ser inspiradora da busca incessante do aperfeiçoamento da gestão pública pois é esta que faz com que todos tenham os mesmos direitos, independente de seu saldo bancário.

Para finalizar, nunca se conseguiu identificar claramente a voz de quem gritou para os sitiados pelo fogo para saírem pela janela. Uns dizem que era de um sujeito corcunda, com cascos e chifres que foi visto nas redondezas. Outros juram que foi o dono da funerária, antevendo os lucros que teria com o salto pela janela.

Nei Moreira da Silva é médico neurologista e professor da Faculdade de Ciências Médica da UFMT. Foi secretário estadual de Saúde de Mato Grosso e duas vezes secretário adjunto de Saúde de Cuiabá e também presidente da Associação Médica de Mato Grosso e do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso e diretor do Conselho Federal de Medicina

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