A vasta experiência como gestor da Saúde permite ao ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), hoje professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, Júlio Müller Neto, olhar para trás e rever com cuidado o processo de construção do SUS — do qual participou ativamente. Secretário municipal de Cuiabá no início da década de 1990 e, logo depois, secretário estadual de Mato Grosso, Júlio avalia que o sistema ainda não se curou dos males que o atingem desde sua criação: subfinanciamento e má gestão. Mas, para o professor, é “um jogo perverso” achar que a crise da assistência médico-hospitalar — equivocadamente chamada de crise do SUS — é da ineficiência do poder público. Hoje dedicado a docência e pesquisa, principalmente sobre a relação entre descentralização e democratização das políticas públicas de Saúde, Júlio diz que o SUS é pai, mãe, filho e irmão da democracia. “O SUS não é um mero plano de saúde, é um sistema que em última análise prevê a garantia do direto à saúde da população brasileira e implica uma nova modalidade de relação entre Estado e sociedade”.
RADIS - Novos modelos de gestão estão em debate e em embate, com as fundações, OSs, Oscips... Como os avalia e que modelo defende?
Júlio Muller - Para mim, esses não são modelos de gestão, são ferramentas, que podem agilizar alguns aspectos da gestão. Há diferenças muito grandes entre OSs [organizações sociais], Oscips [organizações da sociedade civil de interesse público], ONGs e fundações, mas de maneira geral a origem delas está no conflito entre administração pública — e a crítica que se faz a sua burocracia — e formas mais ágeis de administração. Não vejo esses instrumentos como a encarnação do diabo na Terra, que vêm para acabar com o público. Podem servir para determinadas situações de gestão. Entretanto, na Saúde, sobretudo no SUS, têm utilidade muito restrita. Quando foram criados, destinavam-se a áreas não essenciais do Estado que pudessem ser executadas por terceiros, logo, não se aplicariam à Saúde — mas foram implantados e continuam sendo. Quando se fez a lei das OSs, o SUS era ainda mais privatizado: a assistência médico-hospitalar e a alta complexidade sempre foram majoritariamente contratadas. O argumento de que a OS funciona porque o setor público é inoperante é no mínimo uma falsidade. É o contrário. Temos de fazer um debate com seriedade.
Leia entrevista na íntegra acessando arquivo em PDF no link: http://www4.ensp.fiocruz.br/radis/106/PDF/Radis_106.pdf
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