quarta-feira, 25 de maio de 2011

Morte encomendada na saúde

Hélcio Corrêa Gomes



O Estado, acuado pelo noticiário (deplorável), disse que vai assumir o Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (PSMC). E que vai geri-lo por Organização Social de Saúde (OSS). O Conselho de Saúde manifesta contra, mas o governo estadual insiste e tende a entregar o recurso do Sistema Único de Saúde (SUS) à gerência privada. Além de lhe atribuir o direito de dizer que a unidade hospitalar está lotada e que o paciente julgado excedente procure outra. Haverá nova tabela de pagamento hospitalar ignorando o valor mercadológico e unicidade legal do sistema de saúde. Tanto que o próprio Ministério da Saúde diz que não vai tolerar constituir dois canais (ilegais) de atendimento de pacientes e pagamentos públicos diferenciados. Há jogo claro e oculto, cujo preço alto e irregular mais uma vez pode ser arcado por pacientes indefesos e cofres federais.


De fato a gerência (privada) no PSMC não aporta somente por decisão do governo, mas por causa notória baixa de produtividade com gerência inócua (tecnicamente) com alto custo em vida ceifada. Tudo somado como velho problema da moral perdulária e impunidade. O que se investe na saúde coletiva pulveriza fácil. Na casa da saúde, em desordem planejada, alguns resolvem agravar a situação caótica e trazem a política de dificuldade para vender facilidade. Um grande contingente pago com horário integral labora no meio expediente, na melhor sorte.


Empresas fazem reformas hospitalares fictícias. Outras enchem a contabilidade pública de notas fiscais. É facada para todos os lados, mas em ínfima monta nos centros cirúrgicos.


A OSS para o paciente é mais uma desgraça (avizinhada) que vai substituir outra. Ambas têm mesmo conteúdo gerencial, apenas roupagens distintas. A novidade é que no derredor se resolve agravar a falha e justificar que falta, o que nunca esteve disposto. E a gerência mercantil pretende substituir a pública com boca de mama fácil no dispensar de paciente. Enfim, parece re-canalizar de recurso estatal na mesma proporção de cinco reais por um gasto com o público alvo do SUS. Algo cínico e bárbaro, mas fato tal como sistema de drenagens linfáticas. Não se discute aqui punir infratores. Arrumar a gerência perdulária. Inverter a lógica para um por cinco reais. Disciplinar a apropriação (lícita e ilícita) com moderação como se faz no plano privado de saúde.


Assisti (em tempos idos) e confesso que até ingenuamente ajudei a fazer bronca homérica contra o ex-secretário municipal de Saúde, Luiz Soares, porque agia trancando a porta do fundo do PSMC. Vistoriando almoxarifado. Fazendo médico levantar à noite para atender paciente.


Abrindo bolsas na unidade hospitalar. E cortando horas extras imotivadas. Tornou-se até pessoa sindical não grata, mas hoje reabilitada nos fatos. É ele quem noticia civicamente que sumiram com quatro parcelas do SUS (algo como mais de 30 milhões de reais) entre o final de uma administração municipal e a atual. E equipara o prefeito de Cuiabá ao tolo que acha saber o que não sabe e diz saber com exposição ao ridículo. Tal recurso federal desaparecido (na base de esqueceram de mim) retiraria do chão do PSMC os pacientes.


Nada me parece indicar mais crédito razoável, mas resta acreditar na gente mesmo e dor dos pacientes desassistidos. Afinal, a gerência praticada no derredor da saúde traz embutida a certeza de que vale agir com um nada moral. Não se trata aqui de descabelar inútil, mas de exigir solução digna e lícita em nome dos pacientes mais vulneráveis.


Afinal, não faltam recursos federais, mas sim a coragem de interromper com malandragens e covardias contra gentes humildes. Não se precisa de gerência nova no estabelecimento comercial, mas de administração proba, minimamente chata ou preocupada com aquele moral militar de objetivo fixado na legislação. Caso contrário por uma ou outra gerência a morte do paciente está encomendada na preservação dos embolsos desumanos e nem sempre legais.

Hélcio Corrêa Gomes é advogado e diretor tesoureiro da Associação dos Advogados Trabalhista de Mato Grosso (Aatramat) e consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais da OAB Federal. E-mail: helciocg@brturbo.com.br

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